Além das implicações criminais, maior escândalo do mercado de capitais brasileiro põe em xeque capacidade de instituições como a CVM e empresas de auditoria
Após a Americanas reconhecer, nesta semana, que as demonstrações financeiras da empresa não apresentavam apenas “inconsistências”, mas vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior, o caso ganhou novas proporções. Além do aspecto criminal em que ex-administradores podem estar envolvidos, outra preocupação veio à tona: a incapacidade dos órgãos reguladores do mercado de acompanhar, fiscalizar e fazer cumprir normas dentro das empresas.
Na próxima terça-feira, a Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga o assunto deve pedir a quebra dos sigilos bancário e fiscal dos ex-diretores da empresa envolvidos na fraude, a maior da história do mercado de capitais brasileiro, num rombo que pode chegara a R$ 25 bilhões. Os parlamentares também decidiram ouvir o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
“Já se vê na fala de alguns membros da CVM, órgão fiscalizador do mercado de capitais, uma preocupação em aprimorar os mecanismos de controle das companhias e evitar esse tipo de fraude contábil”, afirma o advogado Romeu Amaral, sócio fundador da Amaral Lewandowski Advogados e professor no Insper.
Segundo o advogado, a Lei Societária, já contém mecanismos para controle de fraudes. “Tanto que você tem, por exemplo, o Conselho Fiscal, a Auditoria Externa. Então o que deveria se apurar, é porque esses órgãos falharam e responsabilizaram quem praticou o eventual ato ilícito. Para que assim sejam verificadas as falhas legislativas”, observa Amaral.
Depois do depoimento do atual presidente da Americanas, Leonardo Pereira à CPI, na última quarta-feira, os indícios de crime ficaram evidentes. Pereira apresentou números preliminares revelando que a adulteração dos balanços era parte de um esquema para engordar as remunerações de ex- executivos.
Entre os documentos levados à CPI, estão trocas de mensagens entre ex-dirigentes da empresa em que eles tratam da manipulação dos números do balanço.
O ex-presidente da companhia, Miguel Gutierrez, que ficou no cargo até dezembro passado, é apontado como pivô do esquema. Mas as acusações feitas pelo atual CEO da Americanas na comissão aumentaram a pressão para a convocação do trio de acionistas de referência da empresa — os empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira — e representantes das auditorias. Caso comprovada o envolvimento dos ex-diretores, a CPI deverá pedir deles em seu relatório final o indiciamento deles.
O advogado Matheus Falivene, especialista em direito penal econômico pela Universidade de Coimbra (Portugal), explica, porém, que não basta a afirmação de sócios ou administradores . “No âmbito criminal, incumbe à acusação, no caso o Ministério Público, comprovar que há um crime”, explicou.
Fenando Brandariz, advogado especializado em direito empresarial, lembrou que “as pessoas e empresas prejudicadas poderão ingressar com ações indenizatórias contra os ex-administradores e diretores, se ficar demonstrado dolo nas operações fraudadas”.
Afastados de suas funções em fevereiro deste ano, os ex-diretores podem responder criminalmente, caso seja feita queixa crime pelo Ministério Público. Segundo Brandariz, o próximo passo é que a companhia e seus assessores apresentem às autoridades relatórios detalhados de informações.