Prates diz que venda da BR foi um “erro crasso”; volta da estatal ao setor, porém, tem entraves
RIO — Crítico da privatização da antiga BR Distribuidora (hoje Vibra Energia), o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, colocou uma possível volta da petroleira ao negócio de distribuição de combustíveis no radar, em suas falas mais recentes sobre os planos da companhia para o futuro.
Na avaliação de Prates, a saída da distribuição foi um “erro crasso”, do ponto de vista estratégico, dentro do contexto da transição energética.
Isso porque a BR era o principal elo entre a petroleira e os consumidores finais: não só os motoristas, mas também indústrias, empresas de navegação e do agronegócio que hoje demandam soluções para descarbonização de seus negócios — justamente as soluções que a Petrobras quer passar a oferecer.
Mas, afinal, o retorno da Petrobras à distribuição é viável? O que há de concreto nessa história? Quais as possíveis alternativas, para que a estatal volte ao setor? E quais os possíveis ganhos para a empresa com isso?
A seguir, a agência epbr se propõe a clarear o debate sobre o assunto.
Antes de mais nada, existe hoje uma barreira prática para que a estatal volte ao negócio de distribuição: o contrato de licenciamento da marca Petrobras nos postos da Vibra. A marca pertence à petroleira, mas que foi cedida à distribuidora por um prazo de dez anos, até 2029, prorrogável por mais dez.
Pelos termos do acordo, a Petrobras se compromete, durante a vigência do contrato, a se abster de atuar no segmento de Postos de Serviços. A vedação não inclui o B2B, a comercialização para indústrias, por exemplo.
Sem entrar em detalhes, Prates tem feito críticas recorrentes à privatização da BR e aos termos do contrato de licenciamento da marca. E, nas últimas semanas, passou a falar mais sobre o interesse de que a petroleira volte à distribuição:
“A Petrobras não pode ficar tão longe do consumidor final. O que não quer dizer que aconteça já no primeiro ano. Ela já cometeu um erro, não pode ser um erro em cima de outro. Não venderia a BR, tenho que pensar o que faço sem ela: pode ser voltar a ter ela ou pode não ser, pode ter alternativas que me obriguem a acelerar processos da transição energética”, disse Prates, em entrevista ao jornal O Globo, ao ser questionado diretamente sobre o assunto.
No mercado financeiro, o risco de a Petrobras recomprar a Vibra já tem sido alertado por analistas: “se a Petrobras pensa em ‘recuperar o que perdeu’, a tese de recompra da Vibra deve permanecer viva”, cita relatório do Bradesco BBI, deste mês.
Mas não há nada concreto até o momento. Prates contou à agência epbr que a volta da Petrobras ao mercado de distribuição será analisada “com calma”, depois de outras questões consideradas mais urgentes pela cúpula da empresa – como, por exemplo, a política de dividendos aos acionistas e a revisão do plano de investimentos.
Ele destaca que a decisão pelo retorno à distribuição, se ocorrer de fato, não será tomada “apenas para reverter processos” de privatização passados, mas sim dentro do contexto do reposicionamento estratégico da petroleira.
O interesse da Petrobras de voltar à distribuição tem sido sinalizado num momento de revisão geral do posicionamento da companhia, sob nova direção.
A empresa está debruçada sobre a revisão de seu planejamento estratégico. Prates já têm manifestado a intenção da petroleira de diversificar suas áreas de negócios (biorrefino, eólicas offshore e hidrogênio, por exemplo), de olho na transição energética.
Também defende a interrupção na venda das refinarias – e planos de convertê-las em “bio-petro-gás refinarias”, para processamento de “combustíveis de nova geração”. O plano é fortalecer a Petrobras como uma empresa integrada de energia.
E a distribuição de combustíveis desponta como mais uma alternativa de negócio, dentro desse caldeirão de possibilidades.
Parte da base de apoio ao governo, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) tem defendido o retorno da companhia ao segmento e que a Petrobras conteste na Justiça o contrato de licenciamento da marca Petrobras nos postos, para retomá-la.
Os sindicatos dos petroleiros fazem pressão para que a Petrobras interrompa as vendas de seus ativos de uma forma geral – e que, em alguns casos, reaveja negócios já sacramentados, como a alienação da refinaria Rlam (BA), para o Mubadala, por exemplo.
A “retomada da BR” está presente nos discursos dos petroleiros. A defesa ganhou um novo contorno depois que a Petrobras divulgou, na semana passada, a nova política de preços dos combustíveis.
Os sindicalistas alegam que a BR atuava como elo importante no controle de preços no mercado e que a reestatização da distribuidora é essencial para o plano do governo de “abrasileirar” o preço dos derivados.
Esse discurso está na fala do coordenador geral da FUP, Deyvid Bacelar:
“Foi um contrato draconiano que precisa ser questionado na Justiça, para a Petrobras poder voltar à comercialização e distribuição de derivados de petróleo”, disse, em entrevista a um canal institucional do PT.
A saída da Petrobras do negócio de distribuição de combustíveis começou a ser gestada no governo Michel Temer (MDB) e foi concluída no mandato de Jair Bolsonaro (PL). Ocorreu dentro da estratégia da companhia de concentrar investimentos em ativos de maior retorno (leia-se exploração e produção de óleo e gás em águas profundas e ultraprofundas) e vender ativos para reduzir sua dívida.
A petroleira se afastou então da distribuição: vendeu não só da BR, mas também a Liquigás (gás liquefeito de petróleo, o GLP); a Gaspetro (gás natural); e ativos de distribuição de derivados em outros países na América do Sul.
A saída da BR foi feita em etapas: em 2017, a Petrobras abriu o capital da empresa na bolsa, numa operação que levantou R$ 5 bilhões. Em 2019 fez uma nova oferta de ações que lhe retirou o poder de controle sobre a companhia, por R$ 8,5 bilhões. E em 2021, deixou o capital da distribuidora de vez, com a venda das ações (37,5%) que ainda detinha na BR, por R$ 11,36 bilhões.
Na avaliação de Prates, a saída da petroleira da distribuição foi um “erro crasso”, do ponto de vista estratégico, dentro do contexto da transição energética.
“Como você discute bateria, eletromobilidade ou veículos híbridos sem posto?”, questionou o presidente da Petrobras, em entrevista ao jornal “O Globo” este mês.
“Não tem outra congênere que fez o que a Petrobras fez: vender a empresa que interage diretamente com seus consumidores”, complementou, na mesma entrevista.
Fundada em 1971, com 840 postos, a Vibra tem hoje uma rede de 8,4 mil postos — além de 18 mil clientes B2B (consumidores finais, sejam empresas privadas e entes públicos de diferentes setores, como indústrias, agronegócio, transportadoras, transportador revendedor retalhista de combustível e marítimo).
Uma vez privatizada, a Vibra resolveu justamente apostar em novos negócios, de olho nessa carteira B2B. Entrou, por meio de parcerias, na comercialização de energia (Comerc) e nos negócios de biogás/biometano (ZEG Biogás), comercialização de etanol (Evolua) e eletromobilidade (EZVolt), por exemplo.
Outra questão presente nos discursos a favor da volta da Petrobras à distribuição é o argumento de que um braço de distribuição poderia ser usado para ajudar a controlar preços no mercado.
A ideia por detrás desse ponto é a de que uma distribuidora estatal com forte presença no setor pressionaria concorrentes a trabalhar com margens menores, eventualmente, em momentos altistas nos preços.
Distribuidoras, no entanto, têm uma margem baixa, de cerca de 3% – o que coloca em dúvida esse argumento.
Uma questão central nesse debate é se a companhia tentaria, nesse caso, reaver a marca Petrobras nos postos, como defendem os petroleiros, ou construir uma nova identidade — para atuação na comercialização no B2B, devido aos impeditivos contratuais com a Vibra para atuação nos postos.
A questão da marca: A Vibra tem direito ao uso da marca nos postos de combustíveis por meio de um contrato de licenciamento de dez anos, com vencimento em 2029, e possibilidade de renovação por mais dez anos.
Prates fez críticas recentes aos termos do acordo, mas descartou judicializar a questão. Ele defende a via negocial com a Vibra.
“Os postos não só não são mais da Petrobras como podem vender gasolina que não é da Petrobras. Porque esse contrato, a meu ver esdrúxulo, permite isso. É claro que estamos conversando sobre isso, não há conflito nisso. As pessoas perguntam se vamos judicializar e brigar com a Vibra. Não tem nada disso. Vamos conversar no devido tempo. Várias coisas que foram feitas recentemente nós vamos ter que rever. Sem trauma e sem prejudicar ninguém” disse em entrevista recente à GloboNews, sem entrar em detalhes.
Em outra entrevista recente, ao Estadão, Prates afirmou que não se trata de voltar à distribuição para “fazer tudo do mesmo”, mas sim pensar o futuro.
“Daqui a pouco você está falando de um downstream, em vez de simplesmente, como querem muitos, comprar a BR [hoje Vibra] do nada e sair fazendo tudo do mesmo. Tem que pensar como chegar próximo ao consumidor do futuro, meu filho ou o filho do meu filho. O cara lá na frente não vai nem ter carro, o carro vai ser compartilhado, tem o veículo autônomo, vai trocar bateria e não abastecer”, respondeu, ao ser questionado sobre como imagina que será feita a comercialização do hidrogênio, no futuro.
O que mais diz o contrato de licenciamento:
Um eventual rompimento unilateral do contrato seria judicializado, destacam advogados. As perdas financeiras da Vibra, nesse caso, são um dos argumentos possíveis na discussão.
O sócio do escritório Amaral Lewandowski Advogados, Romeu Amaral, lembra, por exemplo, que a Vibra recentemente investiu em reformas em diversos postos com a marca “BR”.
“Imagine o prejuízo que seria ter que trocar novamente esses layouts”, disse.
Sócio da área de Energia do Giamundo Neto Advogados, aponta ainda que a possível perda do direito ao uso da marca pela Vibra seria uma sinalização muito ruim para investidores.
“Seria uma sinalização, por parte de empresas vinculadas ao governo, de que os contratos não são respeitados no país”, afirmou.
A volta da Petrobras ao setor de distribuição pode se dar por três principais caminhos:
Executivos da área de distribuição relatam, nos bastidores, que têm interpretado os sinais de interesse da Petrobras na volta ao setor, por ora, como um aceno político para a base.
Interlocutores acreditam que o desgaste necessário para que a Petrobras volte a esse mercado seria alto demais, sem um retorno claro na opinião pública — já que, na prática, o consumidor final não percebeu os efeitos da privatização, por não ter havido mudança nos nomes usados nos postos.
Procurada, a empresa destacou que o contrato de licenciamento da marca Petrobras está em plena vigência e não tem cláusula de saída.
Pontua ainda que fica “feliz em honrá-lo” e reconhece a força da marca.
“Respeitamos muito a Petrobras, somos clientes e parceiros em diversas operações e negócios, temos ótimo relacionamento, uma relação bastante sólida, longa e madura”, citou a Vibra, em nota.
Sobre as críticas de Prates aos termos do contrato que permitem à distribuidora comprar volumes de outros supridores, a Vibra esclareceu que a maior parte dos combustíveis adquiridos pela empresa “é feita e priorizada com a Petrobras”, mas que, como a estatal tem limites para seu volume de vendas, a companhia busca complementação no mercado externo quando há demanda por isso.
Publicado por EPBR