‘Pretende-se introduzir no país funções preventiva e punitiva para conter comportamentos antijurídicos’
No começo do ano foi apresentado ao Senado Federal o Projeto de Lei n. 4/2025, que pretende criar um novo Código Civil baseado no trabalho de uma Comissão de Juristas, formada em agosto de 2023, com o objetivo de elaborar um “Anteprojeto de atualização do Código Civil”.
O anteprojeto foi apresentado ao Senado em abril de 2024 – o trabalho da Comissão durou menos de doze meses – e surpreendentemente propôs “a modificação ou revogação de 897 artigos” e o acréscimo de “outros 300 dispositivos”.
Considerando os atuais 2.063 artigos do atual Código Civil, nota-se que, atrás da fachada de uma suposta mera “atualização” do referido Código, estamos, na verdade, diante de um projeto de novo Código Civil para a sociedade brasileira, sem o necessário tempo para debate, reflexão e maturação sobre tamanho empreendimento.
Para se ter uma ideia da complexidade da tarefa, o texto do Código Civil de 2002 foi elaborado por uma comissão de juristas nomeada em 1969, presidida por Miguel Reale e composta por José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro, cujo trabalho transcorreu durante seis longos anos e resultou no texto do Anteprojeto apresentado ao Congresso Nacional em 1975.
O projeto de lei resultante do referido Anteprojeto tramitou no Congresso por 27 anos e, portanto, foi objeto de décadas de debates e revisões, tendo sido sancionado em 10 de janeiro de 2002.
A ideia de propor um novo Código Civil, no final dos anos 60, deveu-se ao fato de que o Código de 1916, elaborado por Clóvis Bevilaqua, a partir de convite formulado em 1899, no governo do presidente Campos Salles, havia sido influenciado pela codificação verificada no século XIX, notadamente pelo Código Civil alemão, de 1900, que supostamente não refletia a realidade da sociedade brasileira à época. O projeto do Código Civil de 1916 levou dezessete anos até a sua aprovação.
Passados apenas 20 anos da entrada em vigor do atual Código Civil, alguns juristas, com a devida vênia, pretendem substituir as normas que regulam as relações privadas por um texto elaborado em curto espaço de tempo, sem debate e reflexão, cujo propósito escondido nas entrelinhas do projeto revela uma tentativa de emplacar um texto totalmente desconectado dos anseios do povo, do empresário e das empresas.
Ao contrário do que se justifica, o texto proposto no projeto de lei demonstra aquilo que o Relator Geral do projeto revelou, publicamente, em aula disponível na internet em que alega que “os empresários pagam as indenizações rindo”, justificando, de maneira jocosa, os motivos que o levaram a alterar toda a estrutura da responsabilidade civil no direito brasileiro, substituindo-o por um novo modelo que tem o objetivo de ser mais punitivista, principalmente para o empresário e as empresas.
O projeto claramente pretende ampliar o pesado fardo das empresas e de quem pretende empreender no Brasil. Pretende-se introduzir no país “funções preventiva e punitiva” para conter “comportamentos antijurídicos”. Intenta-se acrescer ao sistema de responsabilidade civil preceitos advindos do CDC, CLT e LGPD, desprezando as importantes diferenças entre os sistemas de direito privado e ignorando o papel do Código Civil de apresentar as regras gerais do sistema de responsabilidade civil.
Para as empresas e os empresários, o PL 4/2025 é um desastre anunciado. Afastará ainda mais aqueles que empreendem, geram riquezas, criam empregos e recolhem a maior parcela dos tributos.
Já vivenciamos um êxodo em massa de empreendedores brasileiros, que preferem colocar suas ideias em prática a partir de países que lhes oferecem segurança jurídica e um ambiente de negócios mais propício à inovação.
Por tais motivos, é que este artigo busca chamar a atenção das empresas e empresários para a tramitação do PL 4/2025, que tem sido bastante acelerada para modificar um dos Códigos mais importantes do país. Caso esse projeto tenha seguimento, vivenciaremos um cenário ainda mais caótico para quem empreende ou gostaria de empreender no Brasil.
Ainda, não há qualquer estimativa sobre os custos de adaptação das empresas e empresários às novas normas propostas no PL 4/2025, bem como dos custos de litígio que serão gerados para as empresas em virtude da mudança do Código Civil. Para se ter uma referência, estudo apresentado em 2014 sobre os custos e impactos da introdução de um novo Código Comercial no país concluiu que a conta para as empresas, de modo conservador, poderia chegar a mais de R$ 30 bilhões.
Portanto, é fundamental que os empresários e as empresas procurem compreender as mudanças e os impactos para os seus negócios, de modo que possam se manifestar contrariamente ao projeto de “atualização do Código Civil” constante no Projeto de Lei nº 4/2025.
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Publicado em Diário do Comércio